1.
Teorias sobre o conhecimento
As teorias filosóficas do conhecimento,
apesar da sua enorme diversidade, polarizam-se em grandes problemas:
Qual a natureza do conhecimento ? Qual o seu valor ou possibilidade?
Qual a sua origem?
2.
Natureza
do conhecimento
O que é que conhecemos? Os próprios objectos,
ou as representações, em nós, dos mesmos?
Algumas respostas filosóficas:
- Realismo: Afirma a existência do real.
O nosso conhecimento corresponde à realidade, mas é da mesma distinto.
onhecer é apreender a realidade existente na
experiência interna (actos da consciência) ou na experiência
externa (objectos do mundo sensível).Os objectos existe
-Idealismo: Nega a existência do real. A realidade é reduzida a
ideias: o mundo sensível é um mero produto do pensamento. Os
objectos só existem enquanto representações, não têm uma existência
independente.
3.
Possibilidade do conhecimento
Pode o sujeito apreender o objecto?
Atingir a verdade, a essência das
coisas, ou está condenado às suas múltiplas aparências?
Algumas respostas filosóficas :
- O dogmatismo (dogmatikós, em grego significa que se funda
em príncípios ou é relativo a uma doutrina) defende a apreensão absoluta da realidade pelo
sujeito. Esta
posição assenta numa total confiança na razão humana.
- O cepticismo (skeptikós, em grego signifca "que
observa", que considera") defende a impossibilidade do sujeito apreender a
realidade. Esta posição desconfia na razão humana. O cepticismo na
sua foram mais radical, foi defendido pela primeira vez por Pirrón
(c.270 a.C). Este filósofo afirmava que de nada podemos afirmar ser
verdadeiro ou falso, belo ou feio, bom ou mau.Apenas nos resta suspender
todos os juízos. Na Idade Moderna Montaigne e Hume manifestaram
igualmente posições cépticas.
- O criticismo defende a possibilidade de se aceder à verdade, mas
não aceita sem crítica as afirmações da razão.
- O pragmatismo ao subordinar o conhecimento a uma finalidade
prática, afirma que a verdade é tudo aquilo que é útil e eficaz para
a vida humana. Desta forma aproxima-se do cepticismo, na medida que
relativiza o conhecimento. O pragmatismo surgiu nos EUA com Willian
James Charles Pierce e
John Dewey.
4.
Origem do Conhecimento
Qual a origem do conhecimento: a razão
ou a experiência?
Algumas respostas filosóficas:
4.1. Racionalismo
Para o racionalismo a razão é a fonte principal do conhecimento. O
conhecimento sensível é considerado enganador. Por isso, as
representações da razão são as mais certas, e as únicas que podem
conduzir ao conhecimento logicamente necessário e universalmente
válido.
A razão é capaz de conhecer a
estrutura da realidade a partir de princípios puros da própria razão. A
ordenação lógica do mundo permite compreender a sua estrutura de forma dedutiva.
O racionalismo segue, neste aspecto, o modelo matemático de dedução a partir de
um reduzido número de axiomas.
Os racionalistas partem do princípio que o sujeito cognoscente é
activo e, ao criar uma representação de qualquer objecto real, está a
submete-lo às suas estruturas ideias.
Entre os filósofos que assumiram uma perspectiva racionalista do
conhecimento, destacam-se
Platão,
René Descartes (1596-1650),
Spinoza (1632 -1677) e Leibniz
(1646-1716), partem do princípio
que possuímos ideias inatas e que é a realidade é uma construção da razão.
a) Descartes é considerado o fundador do racionalismo moderno. As fases da sua
filosofia podem ser resumidas da seguinte maneira:
-
Objetivo: atingir verdades
indiscutíveis, deduzidas logicamente, a partir de uma evidência irrefutável.
- Dúvida Metódica:
Para atingir um conhecimento absoluto, tem que eliminar tudo o que seja
susceptível de dúvida. Nesse sentido, começa por
suspender todos os conhecimentos
susceptíveis de serem postos em causa. Descobre que todos os dados do sentidos o
podem enganar.
- Primeira
Evidência. Ao pôr tudo em dúvida, e enquanto o faz,
descobre que a única coisa
que resiste à própria duvida é a razão. Esta seria a primeira
verdade absoluta da filosofia. "Eu penso, logo existo" (cogito).
-
Ideias inatas. Descobre ainda que possuímos ideias,
como a ideia de perfeição,
que se impõem à razão como verdadeiras, mas que não derivam da
experiência, nem foram por nós criadas. Atribui a sua criação a Deus (prova da
existência de Deus).
- Deus
garantia da verdade. Sendo a bondade um dos atributos de Deus, certamente
que Ele não nos engana, logo as ideias inatas são verdadeiras. Deus é assim, a
garantia da possibilidade do acesso à verdade.
- Dualismo.
Deduz uma divisão nas coisas:
Aquilo cuja existência se revelou irrefutável, corresponde à res cogitans,
isto é, à razão ("pensamento", "espírito", "alma" ou "entendimento").
Apresenta-se como inextensa e livre.
Aquilo cuja existência e determinação levanta dúvidas, corresponde à res
extensa, isto é, ao mundo exterior (corpos físicos). Os corpos são
determinadas pela sua extensão, movimento, forma, tamanho, quantidade, lugar e
tempo. O mundo fisico é assim des-espiritualizado, pois está submetido às leis
da física, mecânicas.
- Dedução.
Só com base nestas ideias claras e
distintas, segundo Descartes, se poderia construir por dedução um
conhecimento universal e necessário.
4.2. Empirismo
Para o empirismo a experiência é a fonte de todo o conhecimento,
mas também o seu limite. Os
empiristas negam a existência de ideias inatas, como defendiam Platão
e Descartes. A mente está vazia antes de receber qualquer tipo de
informação proveniente dos sentidos. Todo o conhecimento sobre as
coisas, mesmo aquele em que se elabora leis universais, provém da
experiência, por isso mesmo, só é válido dentro dos limites do
observável.
Os empiristas reservam para a razão a função de uma mera
organização de dados da experiência sensível, sendo as ideias ou
conceitos da razão simples cópias ou combinações de dados
provenientes da experiência.
Entre
os filosófos que assumiram uma perspectiva empirista destacam-se
John
Locke (1632 -1704) e
David Hume (1711-1776).
a ) Locke afirma que o conhecimento começa do particular para o geral, da
impressões sensoriais para a razão. O espírito humano é uma
espécie de "tábua rasa" , onde se irão gravar as
impressões provenientes do mundo exterior. Não há ideias nem
princípios inatos. Nenhum ser humano por mais genial que seja é capaz
de de construir ou inventar ideias, e nem sequer é capaz de destruir as
que existem. As ideias, quer sejam
provenientes das sensações, quer provenham da reflexão, têm sempre
na experiência a sua origem. As ideias complexas não são
mais do que combinações realizadas pelo entendimento de ideias simples
formadas a partir da recepção dos dados empíricos. A
experiência é não apenas a origem de todas as ideias, mas também o
seu limite.
b) Hume rejeita, como Locke o inatismo carteseano. As ideias são o resultado de uma reflexão das impressões
(sensações) recebidas das experiências
sensíveis. A imaginação permite-nos associar ideias simples entre si para
formar ideias complexas.
Exemplo
de ideias simples decorrentes das impressões: vermelho, tomates, macio.
Exemplo
da formação de ideias complexas a partir de ideias simples: os tomates
são vermelhos e macios.
Qualquer
ideia tem assim origem em impressões sensoriais. As
impressões não nos dão a realidade, mas são a própria realidade. Por
isso podemos dizer que as mesmas são verdadeiras ou falsas. As ideias só
são verdadeiras se procederam de impressões. Neste sentido, todas aquelas
que não correspondam a impressões sensíveis são falsas ou meras
ficções, como é o caso das ideias de "substância espírito",
"causalidade", pois não correspondem a algo que exista.
Tipos
de Conhecimento segundo Hume:
Distingue
dois tipos de conhecimento:
1.
Conhecimento resultante das relações entre ideias. Nesta categoria
inclui a aritmética, a algebra e geometria. Estamos perante raciocínios
demonstrativos, cujas conclusões são independentes da realidade e se
apresentam como necessárias.
2.
Conhecimento resultante da relação entre factos. Estes raciocínios
são indutivos, logo apenas prováveis. Correspondem em geral a relações de causa-efeito.
A
Questão da Causalidade segundo Hume
Introduz um dado
novo nas teses empiristas quando afirma que a identidade entre a ordem
das coisas e a ordem das ideias resulta de hábitos mentais ou na
crença que existe uma ligação necessária entre os fenómenos. A
ligação causal entre os fenómenos não é algo que possa ser observado. O
que observamos é uma sucessão cronológica de fenómenos, em que uns são
anteriores a outros.
Esta
sucessão leva-nos a concluir que o acontecimento A foi causado pelo acontecimento B, mas
o que efectivamente observamos foi que o primeiro se seguiu ao segundo.
Não observámos a relação causal entre os fenómenos. A ligação que estabelecemos, segundo Hume,
resulta de um hábito.
Acreditamos
que a natureza é regida por leis invariáveis de causa-efeito, mas tal não
passa de uma ilusão. Embora no passado uma dada sucessão de acontecimentos
se possa ter verificado, nada nos garante que no futuro tal venha a
acontecer. Apesar disso continuamos a afirmá-lo como se fosse uma certeza
absoluta. O nosso conhecimento está
alicerçado em
crenças. Os fundamentos da ciência são deste modo de natureza
psicológica.
Esta
critica ao conceito da causalidade irá ter profundas repercussões em
filósofos posteriores, como I.Kant (1724-1804).
Cepticismo
Hume
acaba por cair numa posição céptica sobre o conhecimento.
( 1 ) Estamos limitados pela
experiência, e por consequência tudo aquilo que não possa
ser observado, não existe. O conhecimento da natureza deve fundar-se
exclusivamente em impressões que dela temos. Desta premissa decorre o seu
cepticismo: o homem não pode conhecer ou saber nada do universo. Só
conhece as suas próprias impressões ou ideias e as relações que
estabelece entre elas por hábito. Tudo o que o homem sabe, por discurso
racional, acerca do universo se deve única e exclusivamente à crença, que
é um sentimento não racional. A razão está limitada no seu
poder.
(
2 ) Questiona o princípio da causalidade em que se
baseiam as ciências da natureza, pois não passa de uma crença.
(3 ) Questiona
também os fundamentos lógicos da indução, ao afirmar que pelo facto de
algo ter acontecido muitas vezes no passado, não significa que venha a
acontecer no futuro. O futuro não existe e como tal não é do domínio do
conhecimento.
O debate histórico entre racionalistas e empiristas, em final do
século XVIII, conduziu ao criticismo que procurou superar as
limitações de ambas as correntes filosóficas.
4.3. Criticismo
4.3.1. Kant (1724-1804). Todo o conhecimento inicia-se com a experiência,
mas este é organizado pelas estruturas a priori do sujeito.
Segundo Kant o conhecimento é
a síntese do dado na nossa sensibilidade (fenómeno) e daquilo que o
nosso entendimento produz por si (conceitos). O conhecimento nunca é
pois, o conhecimento das coisas "em si", mas das coisas
"em nós".
"O que podemos conhecer?" esta foi a questão inicial que orientou
a sua investigação. Ao contrário dos empiristas, afirmou que a mente
humana não era uma "folha em
branco", mas sim constituída por um conjunto de estruturas inatas que
recebiam, filtravam, davam forma e interpretavam as impressões externas.
a) Sensibilidade
A
sensibilidade é uma faculdade que nos permite receber ou perceber objectos
mediante impressões (sensações) através dos sentidos externos. Estas
impressões são percepcionadas no espaço e no tempo, formas
puras (vazias) que fazem parte das estruturas cognitivas inatas do sujeito.
Elas são a condição indispensável para que possamos ter acesso ao
conhecimento sensível (empírico).
b) Entendimento
O entendimento é uma faculdade que nos permite dar forma, unificar e
ordenar os dados recebidos da sensibilidade. Para produzir conhecimentos
(juízos) utiliza 12
categorias (causa, substância, etc), cuja função é estabelecer
relações entre fenómenos (julgamentos). Os juízos são pois operações
de interpretação e organização dos dados sensoriais. O conhecimento
resulta da aplicação destas categorias (conceitos puros) à
experiência.
Classificou os juízos em três tipos:
- Juízos Analíticos. Ex. "O triângulo tem três lados".
O predicado está contido sujeito. Trata-se de um juízo a priori, isto é,
não está dependente da experiência. Este tipo de juízo é universal e necessário.
- Juízos Sintéticos. Ex."Os lisboetas medem mais do que 1,3 metros de
altura". O predicado acrescenta elementos novos ao sujeito. Trata-se de
um juízo a posteriori, pois assenta em dados da experiência e carece da
mesma como comprova. Este tipo de juízo não é
universal, nem necessário.
- Juízos Sintéticos a priori (a sua principal inovação teórica). Ex. "Uma recta é a menor
distância entre dois pontos". Este juízo acrescenta algo de novo ao
sujeito, mas não está dependente da experiência. Este tipo de juízo é universal e
necessário.
c) Razão
A razão tem a função de sintetizar os conhecimentos, dando-lhes uma
unidade mais elevada. Não trabalha sobre os conhecimentos sensoriais, mas
sobre os juízos do entendimento. Elabora juízos dos juízos, produzindo
"ideias" que ultrapassam os limites da experiência.
d) Fenómeno/Númeno
A teoria do conhecimento de Kant estabelece uma clara distinção entre
"fenómeno" e "númeno".
- O Fenómeno ("aquilo que se manifesta") corresponde à
realidade empírica, produzindo nos nosso sentidos impressões
(sensações). É o limite de todo o conhecimento possível. Kant neste
ponto concorda com os empiristas.
- O Númeno ("noúmeno" ), isto é, a "coisa em si
mesma" corresponde aquilo que os nossos sentidos não percebem, a nossa
estrutura inata apenas nos permite aceder aquilo que delas se manifesta aos
sentidos (o fenómeno). É impossível, conhecer as coisas que estão para
além dos dados dos sentidos, como seja a alma, o mundo (como totalidade) ou
Deus. A Metafísica é impossível como ciência. Embora não tenhamos
a possibilidade de conhecer as coisas em si mesmas, podemos todavia através
da razão tentar compreendê-las.
Esta distinção permitiu-lhe distinguir e delimitar os domínios da
Ciência e os da Religião. A Ciência está confinada ao mundo físico, à
experiência sensível, cabendo-lhe produzir o conhecimento. A Religião foi
remetida para uma dimensão supra-sensível, o númeno. Não produz
conhecimento, mas ajuda-nos a compreender o sentido da nossa existência e
do mundo.
f) Crítica
A teoria do conhecimento de Kant tem sido bastante contestada, num ponto
central: a subjectividade do conhecimento.
Não admite um conhecimento puramente objectiva, pois o mesmo está
sempre condicionado pela subjectividade do sujeito. Todo o nosso
conhecimento está à partida condicionado pelas estruturas transcendentais
(a priori), pelas intuições do espaço e do tempo, as formas mentais das
nossas categorias do entendimento. Unicamente conhecemos o que com estas
"formas" se objectiva. Trata-se de uma profunda limitação que é
difícil de justificar e aceitar.
4.3.2. Perspectivas Contemporâneas. Alguns filósofos contemporâneos defendem que o conhecimento resulta de uma
interacção entre o sujeito e a experiência. Entre eles,
destaca-se Jean Piaget.
Piaget, como vimos, desenvolveu uma concepção construtivista do
conhecimento. O conhecimento é indissociável da acção do sujeito.
Não é pois uma simples registo feito pelo sujeito dos dados do mundo
exterior. O sujeito apreende e interpreta o mundo através das suas
estruturas cognitivas. Estas estruturas não são todavia inatas, mas
são formadas pelo sujeito na sua acção. O conhecimento é assim um
processo de construção de estruturas que permitem ao sujeito apreender
e interpretar a realidade.
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