Conceito
A teoria do conhecimento, se
interessa pela investigação da natureza, fontes e validade do conhecimento.
Entre as questões principais que ela tenta responder estão as seguintes. O que
é o conhecimento? Como nós o alcançamos? Podemos conseguir meios para
defendê-lo contra o desafio cético? Essas questões são, implicitamente, tão
velhas quanto a filosofia. Mas, primordialmente na era moderna, a partir do
século XVII em diante - como resultado do trabalho de Descartes (1596-1650) e
Locke (1632-1704) em associação com a emergência da ciência moderna – é que ela
tem ocupado um plano central na filosofia. Basicamente é conceituada como o
estudo de assuntos que outras ciências não conseguem responder e se divide em
quatro partes, sendo que três delas possuem correntes que tentam explica-las: I
- O conhecimento como problema, II - Origem do Conhecimento e III - Essência do
Conhecimento e IV - Possibilidade do Conhecimento.
Principais correntes e seus
representantes
A) O Conhecimento Quanto à Origem
A polêmica racionalismo-empirismo
tem sido uma das mais persistentes ao longo da história da filosofia, e
encontra eco ainda hoje em diversas posições de epistemólogos ou filósofos da
ciência. Abundam, ao longo da linha constituída nos seus extremos pelo
racionalismo e pelo empirismo radicais, as posições intermédias, as tentativas
de conciliação e de superação, como veremos a seguir.
• Empirismo
“O empirismo pode ser definido
como a asserção de que todo conhecimento sintético é baseado na experiência.”
(Bertrand Russell).
Conceitua-se empirismo, como a
corrente de pensamento que sustenta que a experiência sensorial é a origem
única ou fundamental do conhecimento.
Originário da Grécia Antiga, o
empirismo foi reformulado através do tempo na Idade Média e Moderna, assumindo
várias manifestações e atitudes, tornando-se notável as distinções e
divergências existentes. Porém, é notório que existem características
fundamentais, sem as quais se perde a essência do empirismo e a qual, todos os
autores conservam, que é a tese de que todo e qualquer conhecimento sintético
haure sua origem na experiência e só é válido quando verificado por fatos
metodicamente observados, ou se reduz a verdades já fundadas no processo de
pesquisa dos dados do real, embora, sua validade lógica possa transcender o
plano dos fatos observados.
Como já foi dito anteriormente,
existe no empirismo divergência de pensamentos, e é exatamente esse aspecto que
abordaremos a seguir. São três, as linhas empíricas, sendo elas: a integral, a
moderada e a científica.
O empirismo integral reduz todos
os conhecimentos – inclusive os matemáticos – à fonte empírica, àquilo que é
produto de contato direto e imediato com a experiência. Quando a redução é
feita à mera experiência sensível, temos o sensismo (ou sensualismo). É o caso
de John Stuart Mill, que na obra Sistema da Lógica diz que todos os
conhecimentos científicos resultam de processos indutivos, não constituindo
exceção as verdades matemáticas, que seriam resultado de generalizações a
partir de dados da experiência. Ele apresenta a indução como único método
científico e afirma que nela resolvem-se tanto o silogismo quanto os axiomas
matemáticos.
O empirismo moderado, também
denominado genético-psicológico, explica que a origem temporal dos
conhecimentos parte da experiência, mas não reduz a ela a validez do
conhecimento, o qual pode ser não-empiricamente valido (como nos casos dos
juízos analíticos). Uma das obras baseadas nessa linha é a de John Locke
(Ensaios sobre o Entendimento Humano), na qual ele explica que as sensações são
ponto de partida de tudo aquilo que se conhece. Todas as idéias são elaborações
de elementos que os sentidos recebem em contato com a realidade.
Como já foi dito, para os
moderados há verdades universalmente validas, como as matemáticas, cuja validez
não assenta na experiência, e sim no pensamento. Na doutrina de Locke, existe a
admissão de uma esfera de validade lógica a priori e, portanto não empírica, no
que concerne aos juízos matemáticos.
Por fim, há o empirismo
científico, que admite como válido, o conhecimento oriundo da experiência ou
verificado experimentalmente, atribuindo aos juízos analíticos significações de
ordem formal enquadradas no domínio das fórmulas lógicas. Esta tendência está
longe de alcançar a almejada “unanimidade cientifica”.
• Racionalismo
É a corrente que assevera o papel
preponderante da razão no processo cognoscitivo, pois, os fatos não são fontes
de todos os conhecimentos e não nos oferecem condições de “certeza”.
Um dos grandes representantes do
racionalismo, Gottfried Leibniz, afirma em sua obra Novos Ensaios sobre o
Entendimento Humano, que nem todas as verdades são verdades de fato; ao lado
delas, existem as verdades de razão, que são aquelas inerentes ao próprio
pensamento humano e dotadas de universalidade e certeza (como por exemplo, os
princípios de identidade e de razão suficiente), enquanto as verdades de fato
são contingentes e particulares, implicando sempre a possibilidade de correção,
sendo válidas dentro de limites determinados.
Ainda retratando o pensamento
racionalista, encontramos Reneé Descartes, adepto do inatismo, que afirma que
somos todos possuidores, enquanto seres pensantes, de uma série de princípios
evidentes, idéias natas, que servem de fundamento lógico a todos os elementos
com que nos enriquecem a percepção e a representação, ou seja, para ele, o
racionalismo se preocupa com a idéia fundante que a razão por si mesma logra
atingir.
Esses dois pensadores podem ser
classificados como representantes do racionalismo ontológico, que consiste em
entender a realidade como racional, ou em racionalizar o real, de maneira que a
explicação conceitual mais simples, se tenha em conta da mais simples e segura
explicação da realidade.
Existe também uma outra linha
racionalista, originada de Aristóteles, denominada intelectualismo, que
reconhece a existência de “verdades de razão” e, além disso, atribui à
inteligência função positiva no ato de conhecer, ou seja, a razão não contém em
si mesma, verdades universais como idéias natas, mas as atinge à vista dos
fatos particulares que o intelecto coordena. Concluindo: o intelecto extrai os
conceitos ínsitos no real, operando sobre as imagens que o real oferece.
Hessen, um dos adeptos do
intelectualismo, lembra que há nele uma concepção metafísica da realidade como
condição de sua gnoseologia, que é conceber a realidade como algo de racional,
contendo no particularismo contingente de seus elementos, as verdades
universais que o intelecto “lê” e “extrai”, realizando-se uma adequação plena
entre o entendimento e a realidade, no que esta tem de essencial.
Por fim, devemos citar uma
ramificação do racionalismo que alguns autores consideram autônoma, que é o
Criticismo.
O criticismo é o estudo metódico
prévio do ato de conhecer e dos modos de conhecimento, ou seja, uma disposição
metódica do espírito no sentido de situar, preliminarmente o problema do
conhecimento em função da relação “sujeito-objeto”, indagando as suas condições
e pressupostos. Ele aceita e recusa certas afirmações do empirismo e
racionalismo, por isso, muitos autores acreditam em sua autonomia. Entretanto,
devemos entender tal posição como uma análise crítica e profunda dos
pressupostos do conhecimento.
Seu maior representante, Immanuel
Kant, tem como marca a determinação a priori das condições lógicas das
ciências. Ele declara que o conhecimento não pode prescindir da experiência, a
qual fornece o material cognoscível e nesse ponto coincide com o empirismo.
Porém, sustenta também que o conhecimento de base empírica não pode prescindir
de elementos racionais, tanto que só adquire validade universal quando os dados
sensoriais são ordenados pela razão. Segundo palavras do próprio autor, “os
conceitos sem as intuições são vazios; as intuições sem os conceitos são
cegas”.
Para ele, o conhecimento é sempre
uma subordinação do real à medida do humano.
Conclui-se então, que pela ótica
do criticismo, o conhecimento implica sempre numa contribuição positiva e
construtora por parte do sujeito cognoscente em razão de algo que está no
espírito, anteriormente à experiência do ponto de vista gnosiológico.
B) O Conhecimento Quanto à
Essência
Nessa parte do estudo,
analisaremos o ponto da Teoria do Conhecimento em que há mais divergências,
sendo estas fundamentais pra o pleno conhecimento do assunto, que é o realismo
e o idealismo.
• Realismo
Sabendo que a palavra realismo
vem do latim res (coisa), podemos conceituar essa corrente como a orientação ou
atitude espiritual que implica uma preeminência do objeto, dada a sua afirmação
fundamental de que nós conhecemos coisas. Em outras palavras, é a independência
ontológica da realidade, ou seja, o sujeito em função do objeto.
O realismo é subdividido em três
espécies. O realismo ingênuo, o tradicional e o crítico.
O realismo ingênuo, também
conhecido como pré-filosófico, é aquele em que o homem aceita a identidade de
seu conhecimento com as coisas que sua mente menciona, sem formular qualquer
questionamento a respeito de tal coisa. É a atitude do homem comum, que conhece
as coisas e as concebem tais e quais aparecem.
Já o realismo tradicional é
aquele em que há uma indagação a respeito dos fundamentos, há uma procura em
demonstrar se as teses são verdadeiras, surgindo uma atitude propriamente
filosófica, seguindo a linha aristotélica.
Por último, podemos citar o
realismo cientifico, que é a linha do realismo que acentua a verificação de
seus pressupostos concluindo pela funcionalidade sujeito-objeto e distinguindo
as camadas conhecíveis do real como a participação - não apenas criadora - do espírito no processo gnosiológico. Para os
seguidores desse pensamento, conhecer é sempre conhecer algo posto fora de nós,
mas que, se há conhecimento de algo, não nos é possível verificar se o objeto -
que nossa subjetividade compreende - corresponde ou não ao objeto tal qual é em
si mesmo.
Há portanto, no realismo, uma
tese ou doutrina fundamental de que existe uma correlação ou uma adequação da
inteligência a “algo” como objeto do conhecimento, de maneira que nós
conhecemos quando a nossa sensibilidade e inteligência se conformam a algo de
exterior a nós. De acordo com o modo de compreender-se essa “referibilidade a
algo”, bifurca-se o realismo em tradicional e o crítico, que são as duas linhas
pertinentes à filosofia.
• Idealismo
Surgiu na Grécia Antiga com
Platão, denominado de idealismo transcendente, onde as idéias ou arquétipos
ideais representam a realidade verdadeira, da qual seriam as realidades
sensíveis, meras copias imperfeitas, sem validade em si mesmas, mas sim
enquanto participam do ser essencial. O idealismo de Platão reduz o real ao
ideal, resolvendo o ser em idéia, pois como ele já dizia, as idéias são o sol
que ilumina e torna visíveis as coisas.
Alguns autores entendem que a
doutrina platônica poderia ser vista como uma forma de realismo, pois para
eles, o idealismo “verdadeiro” é aquele desenvolvido a partir de Descartes.
O que interessa à Teoria do
Conhecimento, é o idealismo imanentista, que afirma que as coisas não existem
por si mesmas, mas na medida e enquanto são representadas ou pensadas, de
maneira que só se conhece aquilo que se insere no domínio de nosso espírito e
não as coisas como tais, ou seja, há uma tendência a subordinar tudo à formas
espirituais ou esquemas. No idealismo, que é a compreensão do real como
idealidade (o que equivale dizer a realidade como espírito), o homem cria um
objeto com os elementos de sua subjetividade, sem que algo preexista ao objeto
(no sentindo gnosiológico).
Sintetizando, o idealismo é a
doutrina ou corrente de pensamento que subordina ou reduz o conhecimento à
representação ou ao processo do pensamento mesmo, por entender que a verdade
das coisas está menos nelas do que em nós, em nossa consciência ou em nossa
mente, no fato de serem “percebidas” ou “pensadas”.
Dentro dessa concepção existem
duas orientações idealistas. Uma é a do idealismo psicológico ou
conscienciológico, onde o que se conhece não são as coisas e sim a imagem
delas. Podemos conceituá-lo como aquele em que a realidade é cognoscível se e
enquanto se projeta no plano da consciência, revelando-se como momento ou
conteúdo de nossa vida interior. Também chamado de idealismo subjetivo, este
diz que o homem não conhece as coisas, e sim a representação que a nossa
consciência forma em razão delas. Seus representantes são Hume, Locke e
Berkeley.
A outra é a orientação idealista
de natureza lógica, que parte da afirmação de que só conhecemos o que se
converte em pensamento, ou é conteúdo de pensamento. Ou seja, o ser não é outra
coisa senão idéia.
Seu maior representante, Hegel,
diz em uma de suas obras que nós só conhecemos aquilo que elevamos ao plano do
pensamento, de maneira que só há realidade como realidade espiritual.
Resumindo: na atitude
psicológica, ser é ser percebido e na atitude lógica, ser é ser pensado.
C) Possibilidade do Conhecimento
Essa parte da teoria do
conhecimento é responsável por solucionar a seguinte questão: qual a
possibilidade do conhecimento?
Para que seja possível
respondê-la, muitos autores recorrem a duas importantes posições: o dogmatismo
e o ceticismo, os quais veremos abaixo.
• Dogmatismo
É a corrente que se julga em
condições de afirmar a possibilidade de conhecer verdades universais quanto ao
ser, à existência e à conduta, transcendendo o campo das puras relações
fenomenais e sem limites impostos a priori à razão.
Existem duas espécies de
dogmatismo: o total e o parcial.
O primeiro é aquele em que a
afirmação da possibilidade de se alcançar a verdade ultima é feita tanto no
plano da especulação, quanto no da vida pratica ou da Ética. Esse dogmatismo
intransigente, quase não é adotado, devido à rigorosidade de adequação do
pensamento. Porém, encontramos em Hegel a expressão máxima desse tipo de
dogmatismo, pois, existe em suas obras uma identificação absoluta entre
pensamento e realidade. Como o próprio autor diz “o pensamento, na medida em
que é, é a coisa em si, e a coisa em si, na medida em que é, é o pensamento
puro”.
Já o parcial, adotado em maior
extensão, tem um sentido mais atenuado, na intenção de afirmar-se a
possibilidade de se atingir o absoluto em dadas circunstâncias e modos quando
não sob certo prisma. Ou seja, é a crença no poder da razão ou da intuição como
instrumentos de acesso ao real em si.
Alguns dogmáticos parciais se
julgam aptos para afirmar a verdade absoluta no plano da ação. Entretanto,
outros somente admitem tais verdades no plano especulativo. Daí origina-se a
distinção entre dogmatismo teórico e dogmatismo ético.
O dogmatismo ético tem como
adeptos Hume e Kant, que duvidavam da possibilidade de atingir as verdades
últimas enquanto sujeito pensante (homo theoreticus) e afirmavam as razões
primordiais de agir, estabelecendo as bases de sua Ética ou de sua Moral.
Por conseguinte, temos como
adepto do dogmatismo teórico, Blaise Pascal, que não duvidava de seus cálculos
matemáticos e da exatidão das ciências enquanto ciências, mas era assaltado por
duvidas no plano do agir ou da conduta humana.
• Ceticismo
Consiste numa atitude dubitativa
ou uma provisoriedade constante, mesmo a respeito de opiniões emitidas no
âmbito das relações empíricas. Essa atitude nunca é abandonada pelo ceticismo,
mesmo quando são enunciados juízos sobre algo de maneira provisória, sujeitos a
refutação à luz de sucessivos testes.
Ou seja, o ceticismo se distingue
das outras correntes por causa de sua posição de reserva e de desconfiança em
relação às coisas.
Há no ceticismo – assim como no
dogmatismo – uma distinção entre absoluto e parcial, ressaltando que este
último não será discutido nesse trabalho.
O ceticismo absoluto é oriundo da
Grécia e também denominado pirronismo. Prega a necessidade da suspensão do
juízo, dada a impossibilidade de qualquer conhecimento certo. Ele envolve tanto
as verdades metafísicas (da realidade em si mesma), quanto as relativas ao
fundo dos fenômenos. Segundo essa corrente, o homem não pode pretender nenhum
conhecimento por não haver adequação possível entre o sujeito cognoscente e o
objeto conhecido. Ou seja, para os céticos absolutos, não há outra solução para
o homem senão a atitude de não formular problemas, dada a equivalência fatal de
todas as respostas.
Um dos representantes do
ceticismo de maior destaque na filosofia moderna é Augusto Comte.
Reale, Miguel, Introdução à filosofia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 65-76;85-89; 119-123.
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